terça-feira, 5 de abril de 2011

As novidades de sempre


Sempre que saio do Brasil, volto um pouco apreensivo. Faltam notícias lá fora e aqui as coisas mudam muito depressa - onde havia um cinema brota à noite uma igreja, onde se enxergava um político honesto pulula um meliante, o que ontem era a via correta vira contramão e assim por diante. A partir de certa idade, convém ser precavido, acabar de chegar em casa com calma, não ligar a televisão imediatamente e deixar para abrir os jornais depois de falar com alguns amigos. Eles saberiam contar jeitosamente qualquer novidade inquietante ou capaz de nos abalar a fé no futuro da nação.



Com alívio, logo vejo que não me esperavam novidades inquietantes. Fala-se ainda na visita do presidente Obama e até a vi reprisada, num desses canais anônimos de televisão a cabo que ficam perto daqueles especializados em selvas com aborígenes australianos que só sabem contar até dois e



costumam comer os miolos de visitantes e vizinhos. Não entendi direito a razão da vinda dele. Muito simpático, dizendo frases em português e sorrindo para lá e para cá, mas causando a sensação de que se tratava de uma visita sem a qual ou com a qual tudo permaneceria tal e qual. Como, aliás, se não me ludibria a pérfida memória, todas as visitas de presidentes americanos ao Brasil, inclusive aquela em que Reagan achou que estava na Colômbia. Desta vez, creio que podemos ufanar-nos em ter certeza de que Obama sabia que não estava na Colômbia, mas acho que até o George Bush também já sabia, de maneira que, como sempre, não aconteceu nada.



Uma reportagem mostra a situação das estradas do Brasil. Acho que somos o povo que mais assistiu e assiste a documentários sobre a situação de estradas. Acredito mesmo que, se alguém fizer a conta, vai concluir que oito em cada dez reportagens longas feitas no Brasil, desde o começo das reportagens filmadas, são sobre a péssima situação das estradas, a queda de barreiras e pontes, os atoleiros, o isolamento de cidades, os acidentes calamitosos, a falta de fiscalização e outros itens de uma lista que qualquer um tem na cabeça. Apenas um detalhe novo: descobriram que se vende cocaína em postos de abastecimento nas estradas, aceitando-se cartões de crédito para pagamento. Possivelmente, o comércio de cocaína nos postos sofrerá um abalo, mas, ao mesmo tempo, sabe-se que os caminhoneiros trabalham sob pressão e muitos recorrem a drogas, ilícitas ou não, para trabalhar em turnos absurdos, o que é certamente causa para acidentes. Quanto a isto, não se fará nada.



Os cartões de crédito, por falar neles, agora vão pagar mais impostos, quando usados por brasileiros no exterior. O Estado (o governo, aliás; é besteira a gente querer insistir, por implicância terminológica, em distinguir governo de Estado - isso é em outros países, aqui é a mesma coisa) agora vai morder quase sete por cento do que se comprar com cartão de crédito em moeda estrangeira. O novo classe média comprou lembrancinha em Buenos Aires para trazer para um amigo, imposto nele. Não é por nada, não, mas não se pode deixar de observar - cala-te, boca - que roubar dinheiro e malocá-lo na Suíça pode sem pagar nada, mas quem quiser gastar dinheirinho suado, só pagando. Inventar impostos e taxas e aumentar os existentes permanece uma característica nacional, dir-se-ia mesmo um esporte para os nossos governantes. E, na nossa postura habitual - rabo entre as pernas, mas com altivez - continuaremos a falar, escrever, dar entrevistas e fazer discursos sobre nossa tosquiadora carga fiscal e a não fazer nada para combatê-la. E, se insistirmos em protestar, algum burocrata cria o imposto sobre reforma tributária, a ser pago por todos os que proponham diminuir ou extinguir qualquer imposto.



Aquela conversa da ficha limpa, demonstração do tão falado poder da opinião pública e da Internet, parece ter desandado um pouco, durante minha ausência. Quer dizer, desandou para quem foi na onda de a vontade popular isso e aquilo, pois não sei qual é a vontade popular que anda aqui assim tão levada em conta. O que se viu, por decisão do governo (o Supremo também é governo e aqui no Brasil é governo mesmo, se bem me expresso), é que a tal lei da ficha limpa só vai valer depois. E, ouso acrescentar, quando chegar esse depois, aí ela só vai valer depois desse depois. Teremos muitos depois pela frente, até esquecermos essa bobajada de ficha limpa.



Finalmente, encontrei um certo auê em torno da corrupção nas áreas de saúde e educação. As reportagens sobre condições de atendimento nos hospitais públicos são somente um pouquinho menos abundantes que as dos problemas das estradas. Não se passa dia sem que a gente veja duas ou três, uma sobre a senhora que esperou atendimento numa maca ao relento e morreu desassistida depois de cinco dias nessas condições, outra sobre a grávida que foi recusada em maternidades até morrer, outra sobre a criança em cuja veia injetaram glicerina. Isso entremeado por intervalos em que o governo, em comerciais às vezes melosos, às vezes vibrantes, nos mostra como a saúde está mais bem atendida do que nunca e como somos um povo cada dia mais feliz, robusto e de dentes reluzentes.

Robustos, de dentes reluzentes e rindo para as paredes estão, sim, os planos de saúde privados, que metem a mão no que querem, do jeito que querem, sem que ninguém proteja os usuários pagantes, cada vez mais tratados como indigentes. E estão as centenas de máfias internacionais, nacionais, regionais e locais em torno da saúde pública. São as máfias dos remédios, dos equipamentos, dos funerais, dos falsos atestados, dos desvios de verba e de tudo mais que adeja como abutre por cima da saúde pública. Tudo, enfim, é mais um pouco das novidades de sempre. Pensando bem, nada aqui muda.


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