Bruno Freitas
Do UOL, no Rio de Janeiro
Meses antes da Rio-2016, Lars Grael publicou um texto contundente sobre o risco que o esporte brasileiro corre, em sua opinião, de viver uma "fábula da Cinderela". Em seus argumentos, o ex-velejador diz que nunca antes os atletas do país haviam se preparado tão adequadamente para uma Olimpíada. No entanto, concluía que existe um perigo real de os esforços ruírem, de o decantado projeto de potência olímpica "virar abóbora".
Presidente da Comissão Nacional de Atletas, ligada ao Conselho Nacional de Esporte, Grael chamava a atenção para uma tendência de visão imediatista na gestão esportista nacional. Com o fim do ciclo de grandes eventos no país, que durou quase uma década, o ex-medalhista da vela afirmava em seu manifesto que os recursos podem minguar definitivamente, sem uma justificativa mais óbvia.
"Um país que deseja ser uma potência olímpica ou paraolímpica, você não faz isso em quatro, oito ou 12 anos. Tem que haver um comprometimento maior com o esporte, que os benefícios de financiamento se mantenham, que a gente melhore a qualidade da gestão esportiva do Brasil e que o Rio de Janeiro seja um ponto de partida para um país que deseja ser uma potência olímpica. Para ser uma potência olímpica, a gente tem que ser potência na educação, na saúde preventiva, e olhar para o esporte naquilo que cabe ao governo, que é o esporte de base", afirmou Grael em entrevista ao UOL Esporte.
Segundo ele, é equivocado medir a performance coletiva do Brasil nesta edição da Olimpíada em número de medalhas. Grael entende que o projeto que começou na última década, apoiado em novas leis de incentivo, precisa ser interpretado em médio prazo, além da Rio-2016.
"Se o Brasil não obtiver a quantidade de medalhas que havia sido projetada para essa Olimpíada, que não seja levado como um fracasso. Que a gente aprenda com as nossas derrotas. Mas que a gente siga com coerência, com qualidade de investimento. Meu medo é que a gente caia num buraco vazio, terminando uma agenda olímpica. 'Chega de gastar dinheiro com esporte, vamos gastar com educação, saúde, segurança pública, infraestrutura'. Não, acho que o esporte tem a ver com o desenvolvimento da sociedade, uma questão civilizatória", argumentou.
Duas vezes medalhista olímpico (bronze nos Jogos de Seul-1988 e Atlanta-1996), Grael migrou para a gestão do esporte após o acidente que lhe custou uma das pernas. Foi secretário nacional de Esportes no então Ministério do Esporte e do Turismo, com Fernando Henrique Cardoso, e também atuou no governo estadual de São Paulo. Nos papéis administrativos, lidou com a implementação de novas políticas de fomento à atividade esportiva no país, do alto rendimento à base. Nesse quesito, Lars diz que o cenário de mecanismos existentes precisa de ajustes para que o Brasil siga na direção do sonho de "potência olímpica" – mecanismos como a Lei de Incentivo ao Esporte.
"As leis são fundamentais para você ter um desenvolvimento do esporte, num conceito de parceria público-privada. Agora, com certeza elas podem ser aprimoradas, na qualidade do gasto. Muita coisa foi gerada de uma forma correta, e ela gerou um benefício para o esporte. Benefício que a gente pode não estar medindo aqui em 2016, mas a gente pode medir em 2020, 2024. Algumas modalidades se desenvolveram através desse benefício. Olha aí a canoagem, esporte em que o Brasil não tinha nenhuma tradição. Graças ao incentivo, chegou lá com o Isaquias (Queiroz), que é fruto de um projeto social e chegou lá em alto rendimento. Precisamos também olhar os erros, lógico que eles existem. Tem que ser um processo evolutivo. Jamais cortar os benefícios, mas aprimorar os mecanismos", declarou.
Fracasso da Rio-2016 na Baía de Guanabara
Na última quinta-feira, Lars participou de um evento em que discutia a qualidade de vida dos oceanos, em nome do Projeto Grael (ONG que mantém ao lado do irmão Torben). A iniciativa ao lado de Adidas e "Parley for the Oceans" (entidade global voltada à causa) batalha por conscientização e recuperação de águas, usando o esporte como uma das ferramentas de intervenção.
Neste tema em particular, o ex-atleta foi crítico quando questionado sobre a qualidade das águas da Baía de Guanabara para uso na programação olímpica da vela.
"Um fracasso, porque a agenda ambiental foi menosprezada. Talvez fosse a principal agenda, em termos de legado olímpico. A despoluição da Baía de Guanabara, nada aconteceu, a não ser uma retórica vazia. A despoluição da Lagoa Rodrigo de Freitas, de Jacarepaguá, Marapendi, talvez fosse uma grande contribuição. Isso foi colocado numa agenda lateral, que nunca andou. Mas pelo menos que fique o debate, a conscientização social do cidadão, do cidadão cobrando os agentes públicos. Muito mais que uma questão de esporte, mas de saúde pública, econômica, na pesca de subsistência, navegação", comentou.