sábado, 30 de janeiro de 2010

Ana Maria Machado: “Escrevo de tanto que eu já li”

VEJA QUE LINDO A ENTREVISTA QUE SAIU NA TRIBUNA DO NORTE
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Ana Maria Machado: “Escrevo de tanto que eu já li”
Publicação: 24 de Janeiro de 2010 às 00:00  Por Anna Ruth Dantas

Ana Maria Machado começou a escrever meio que “por acaso” para crianças. Recebeu a encomenda para escrever um livro de literatura infantil e a surpresa veio porque “fez sucesso, deu certo, vendeu muito, as crianças gostaram”, como ela mesmo descreve. Autora de mais de 100 obras, lançadas em 18 países, Ana Maria Machado afirma que quando está escrevendo pensa “em tudo” menos no destinatário. Mas admite que não há como deixar à margem das obras a própria experiência de vida, histórias que surgem de forma indireta.
“Tudo que a gente vive deixa marcas. E essas marcas aparecem de outras maneiras. É como um compositor de música popular tudo que ele faz foi porque antes foi tocado por uma emoção que veio da vida e aí transforma”, comenta Ana Maria Machado.

Diferente de alguns escritores que criticam a internet e a liberdade oferecida para muitos se definirem como “escritores”, Ana Maria Machado elogia esse novo mecanismo: “Quando era só a televisão bastava ser só um analfabeto na frente de uma tela. Agora (com internet) precisa ser um alfabetizado na frente de uma tela, melhorou muito”, analisa. É uma responsabilidade a mais escrever para criança do que para adulto? “Não vejo muito assim porque na hora de escrever é uma coisa entre contar uma história, procurar uma linguagem, se envolver com o personagem, o processo a gente está pensando tudo menos no destinatário”, responde de pronto Ana Maria Machado. A convidada de hoje do 3 por 4 é uma escritora famosa pela literatura infantil, de fala direta e objetiva.

Ana Maria Machado tem 40 anos de carreira e mais de cem obras publicadas em mais de 18 países

De onde vem a inspiração para escrever?

Vem da vida. Tudo que acontece dá vontade de dividir com os outros. Eu acho que sou uma pessoa muito verbal, tenho um fascínio muito grande pela linguagem. O outro aspecto é que sempre fui muito leitora. Desde pequena eu gostava de ouvir histórias, de ler. Acho que li tanto que teve uma hora que começou a entornar, encheu a reservar, a cisterna e começou a sair. Acho que escrevo de tanto que eu li.



O que tem no que a senhora escreve do que a senhora viveu?

Sempre tem, mas nunca é direto. É muito transformado. Tudo que a gente vive deixa marcas. E essas marcas aparecem de outras maneiras. É como um compositor de música popular tudo que ele faz foi porque antes foi tocado por uma emoção que veio da vida e aí transforma.



A receptividade dos seus livros junto ao público infantil lhe surpreendeu?

Realmente, foi uma surpresa para mim. Comecei escrevendo para adultos, me preparei para ser professora de Literatura quando me pediram para escrever para criança. Veja que me encomendaram um trabalho profissional, eu experimentei, fez sucesso, deu certo, vendeu muito, as crianças gostaram muito, os pais gostaram e isso para mim foi uma surpresa. Até hoje eu pergunto como isso aconteceu.

Mas a senhora também não rompeu os lanços da literatura voltada para adulto.

Continuo escrevendo para adulto. Eu incorporei a literatura infantil. Se contar as páginas talvez tenha mais para adulto do que para criança. A questão é que nunca tinha pensado em escrever tanto para criança. Não tinha me ocorrido até começar.

É uma responsabilidade a mais escrever para criança do que para adulto?

Não vejo muito assim porque na hora de escrever é uma coisa entre contar uma história, procurar uma linguagem, se envolver com o personagem, o processo a gente está pensando tudo menos no destinatário. No máximo, quando é uma história para criança muito pequena que eu sei o que é, posso estar pensando em alguma criança específica, por exemplo nos meus filhos quando eles eram pequenos, meus sobrinhos, meus netos. Mas não tem essa coisa de responsabilidade com todas as crianças. Isso não me pesa.

Ser uma escritora famosa, com livros publicados em 18 países, seria um pouco de “heroína” pela repercussão vindo de um país onde se lê pouco, como o Brasil?

Não acho. Primeiro porque não sou só eu, existem vários autores. Isso é um fenômeno geracional. Os autores que começaram a publicar na viradinha dos anos 60 para 70, Ruth Rocha, eu, Ziraldo, Bartolomeu Queiroz, Pedro Bandeira, enfim, começamos a publicar nessa ocasião porque a ditadura era muito braba, a censura era muito feia, nós éramos intelectuais que não conseguíamos nos expressar, e queríamos nos expressar de alguma maneira. O Ziraldo trabalhava também no Pasquim, eu dava aula na faculdade. Acho que canalizamos uma energia rebelde muito forte para dentro da literatura infantil e foi isso que nos fez estourar com o público, com a crítica e esse sucesso internacional. Por isso que somos tão traduzidos fora porque temos o ímpeto subversivo rebelde, no bom sentido. Quer dizer, foi a ruptura com os padrões de ser bonzinhos, obediente, de fazer tudo que se espera, tudo que se manda, moralista, aquelas coisas todas. Isso fez com que a literatura infantil brasileira tivesse quase uma explosão no exterior. O Marcos Rei que era um autor, além de publicitário era um autor que escreveu vários livros para jovem, ele disse certa vez em entrevista, pouco antes de morrer, que a cultura brasileira tinha algumas áreas de excelência absolutamente inesperadas e que surpreendem no exterior como a cirurgia plástica, a arquitetura moderna, a música popular e a literatura infantil. Acho que, por isso digo, é um fenômeno de geração. Foi uma coisa que nos aconteceu.
Escrevendo há tantos anos para criança a senhora consegue distinguir as gerações para as quais já escreveu?

Eu não tenho essa sensação de escrever para uma geração. Isso é uma coisa que depois se diz. Os livros em si toda hora passam um tempo, mudam de editora ou mudam de ilustradora, eles ficam com uma cara nova, continuam tocando o leitor de uma mesma maneira. Acho que essa é uma diferença muito grande entre a literatura e o Jornalismo. Eu fui jornalista e vejo isso de modo muito claro. O Jornalismo cobre alguma coisa em extensão, lateralmente, horizontal, ir tão longe quanto pode e só dura aquele instante. Já a literatura não tem que ser extensa, ela tem que ser profunda, tem que ir muito fundo e durar muito. O que a gente lê hoje, a Ilíada, a Odisséia, a história do Cavalo de Tróia, as sereias, tem 3 mil anos, nos emociona. São histórias mais antigas do que a escrita. Antes de ter a escrita essas histórias eram contadas ao som da lira e nós estamos aqui emocionados. Os palácios onde essas histórias aconteceram já caíram e viraram ruína; a história continua.
Por falar em emoção, qual a história que lhe emociona mais?

Não sei dizer. Me emociono com muitas histórias diferentes. Sou muito leitora e muito observadora da vida. Tem histórias na vida e histórias nos livros que me emocionam. Não sei dizer qual me emociona mais.
É possível levar um pouco da pintora para escritora?

Trago o olhar, o olhar um tipo de percepção visual, que se sensibiliza com a luz, a transparência, com as cores, com composição. Trago da pintora uma capacidade de observação.



E o que dizer da Internet? O que dizer da Era da Internet interagindo com a literatura?

Eu acho ótimo porque é um estímulo para ler e escrever. Quando era só a televisão bastava ser só um analfabeto na frente de uma tela. Agora precisa ser um alfabetizado na frente de uma tela, melhorou muito.



Durante essa entrevista a senhora falou várias vezes que não vê o destinatário na hora que está escrevendo. Então o que lhe inspira?

Diferentes coisas que me emocionaram, a observação, a imaginação. É um conjunto de três vertentes diferentes que se misturam numa trança. Uma que vem do passado que é a memória, uma que é do presente, que é a observação, que é o olhar em volta, e outra que não posso dizer que seja futuro porque não aconteceu, mas quem sabe poderia acontecer ou não, ou tenho medo de acontecer, que é a imaginação, o sonho

Qual o leitor mais difícil?

Não vejo essa diferença de idade. Acho que o bom é o leitor. O difícil é quem quer falar sobre o livro sem ter lido, quem em atrás da celebridade e não. Aí é complicado porque a pessoa fica enrolando, fazendo de conta que leu e eu não quero chatear e mostrar que ela não leu o livro, constranger. Mas quando eu cheguei aqui que as crianças me cercaram e um falou na história, citaram livros e falava, eu sei que eles leram.
Entre a criança e o adulto, de alguma forma a senhora sente receptividade no trabalho para esses dois públicos?

Claro. A criança é mais espontânea e afetiva, a coisa é na base do gostei. Quando ela não gostou ela não diz, fecha o livro e vai embora, ela não fala. Então, a criança que chega até o escritor é a criança que gostou. É uma coisa muito afetiva, emocionada, ela fica com o coraçãozinho batendo porque está falando com o escritor. A coisa é no campo da emoção, da afetividade. O adulto quando vem falar tem uma emoção desse tipo, mas ela já é elaborada por uma reflexão intelectual. Ele já é capaz de dizer que gostou do livro e em que se identificou. De um modo geral, quem não gosta também não vem falar, porque seria grosseiro. O contato com o leitor adulto costuma ser mais fecundo porque é uma troca intelectual que você pode discutir e trocar coisas. O da criança é mais epidérmico, mais superficial.


Para a escritora o que empolga mais (dos dois públicos)?

Os dois são diferentes. Os dois tocam e são importantes.

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