. O seqüestro é um crime hediondo porque consiste na transformação do corpo de uma pessoa em valor de troca. A clássica proposição ''a bolsa ou a vida'' não traduz a situação do refém, pois sua vida está desde o início confiscada pelo sequestrador. Ainda que, mediante pagamento, ele recupere a posse de seu tempo e de seu corpo, ninguém lhe devolverá os dias ou as semanas em que estes não lhe pertenceram e em que o valor inestimável de sua vida foi negociado em dólares. Alguém já observou que a negociação entre a bolsa e a vida é impossível; ao sujeito ameaçado, só existe a alternativa de entregar a bolsa. A proposição correta então seria: ''a bolsa, ou a bolsa e a vida''.
Este é o tipo de falsa alternativa que a publicidade nos convoca a responder. Seja livre! Escolha o melhor modelo de automóvel do mercado. Se você está entre os que podem comprar um carro naquela faixa de preço, perceberá que as marcas se equivalem; se está abaixo, como a grande maioria, a escolha não se coloca. A alternativa correta, então, se traduz em outros termos: seja livre! inclua-se entre os que podem. Ou então fique de fora. Fora da representação. Fora do discurso. Fora da liberdade.
A publicidade seqüestrou nosso desejo e o devolveu na forma de compulsão ao consumo; seqüestrou nossas fantasias e nossa imaginação e as devolveu na forma de mercadorias. Transformou nossos sonhos em ''tendências de mercado'', nossas liberdades democráticas em direitos do consumidor, nossas escolhas eleitorais em barganhas numa feira de produtos falsificados.
A publicidade convoca todos a gozar dos privilégios de um cliente/consumidor classe A. Se a alternativa fosse acessível a todos, não haveria privilegiados. Como não é, o que está sendo vendido é a exclusão. Em cada outdoor, cada anúncio de televisão, cada apelo estridente na voz de um locutor de FM, a publicidade vende antes de mais nada, como escreve Eugênio Bucci, um ideal de exclusão. Por uma lógica sinistra, o crime hediondo do sequestro é uma forma extrema de resposta ao apelo exclusivista da publicidade.
Mas é uma resposta intolerável. Torço pela libertação do cidadão
Washington Olivetto, pela prisão e o julgamento dos sequestradores, pelo fim da violência e da impunidade que ameaça a todos os brasileiros. O que equivale a desejar o fim da exclusão e o desmanche da lógica perversa que até hoje tem alimentado o discurso da publicidade
Maria Rita Kehl é psicanalista e escritora
Vale pensar refletir e entender nossas histórias publicitárias . Podemos colaborar com a contemporaneidade.
Pós-doutora em Comunicação pela ECA-USP: Doutora e Mestre em Comunicação e Semiótica pela Puc - SP; Profa Profa ESPM , São Judas, ítalo-Brasileiro, Mackenzie, Casper Líbero.
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