Cultura – Contos Poemas Poesias – Donos do Seu Nariz – Luís Fernando Veríssimo
2/12/2008
Muitos vivem na ilusão de serem donos do seu nariz e na realidade não são. Mesmo os proprietários de nariz não têm direitos absolutos sobre ele. O nariz é um bem móvel. Qualquer transação envolvendo o nariz depende da fiscalização pública. Você descobre que o nariz não lhe pertence quando, por exemplo, pretende viajar para o exterior. Não há nenhum empecilho para você sair do país, ao contrário do que se pensa:
- O senhor tem completa liberdade de ir e vir.
- Sem papelada, sem nada? Posso sair quando quiser?
- Exato. Mas sem o nariz, é claro.
- Como? Eu sou dono do meu nariz.
- Perdão. Seu nariz é uma concessão do Governo. Pertence ao Estado.
- Mas eu não posso viajar sem ele. Somos muito ligados.
- Bem. Para tirar um nariz do país é preciso passaporte, visto de saída, atestado de bons antecedentes, atestado de ideologia do nariz… E o depósito compulsório.
- Quanto
- Os olhos da cara.
Todos os impostos e taxas que você paga ao Governo são pelo uso do nariz. O nariz, na verdade, é a única parte da sua anatomia sobre a qual o Governo tem todo o poder. O Estado não interfere no resto do seu corpo que, no caso de prisão arbitrária, só vai junto porque quer. Foi isso, na opinião de alguns juristas, que tornou o habeas-corpus supérfluo entre nós. E, convenhamos, um haveas-nasalus seria ridículo.
Eu alugo o meu nariz e estou muito satisfeito com ele. Não conheço o proprietário. Pago o aluguel em dia, conservo o nariz em bom estado e não dou ao locador qualquer razão para queixa. Mas, teoricamente, o dono do meu nariz pode reclamá-lo quando quiser. Basta uma denúncia vazia de que eu estou metendo o meu (ou dele, no caso) nariz onde não devo e ele pode reaver o nariz. A situação é irrespirável.
Alguns proprietários de narizes alugados estão sempre vistoriando a sua propriedade. Acordam o locatário no meio da noite para ver como vai o nariz.
- Hum. Deixa ver. Parece bem. Este cravo aqui do lado…
- Vou espremer amanhã mesmo.
- Você limpa todos os dias?
- Por dentro e por fora.
- Olha aí; os óculos estão deixando marca. Não pode.
- Vou cuidar disto. Agora posso durmir? Estou meio resfriado…
- Que tipo de lenço você tem usado? De papel, espero. lenço de pano irrita o nariz. Olhe lá, heim?
Alguns contratos de aluguel são extorsivos. Incluem uma cobrança por espirro, taxa-coriza, etc.
Existe uma espécie de bolsa do nariz onde os grandes proprietários compram, vendem e trocam seus narizes.
- Tenho um nariz bem grande em Petrópolis. Troco por dois pequenos na Zona Sul.
- Nariz novo. Vendo. Estilo grego.
- Compro um afilado. Qualquer zona menos Avenida Farrapos.
- Vendo um achatado, simpático, amplas narinas, na Independência.
- Reformado, como novo, troco por adunco ou arrebitado.
A questão do nariz reformado é, legalmente, um pouco confusa. Quem é dono do seu nariz pode alterá-lo como quiser, desde que obtenha uma licença da Prefeitura. Um bom Pitanguy, hoje, vale uma fortuna. Mas quem aluga o seu nariz e quer modificá-lo deve antes consultar o dono.
- Estou pensando em tirar um pouco aqui, estreitar aqui e baixar aqui.
- Impossível. Não posso permitir. A senhora quer diminuir a área total do meu nariz.
- Mas vai ficar um Tônia Carrero perfeito. Vai aumentar de valor.
- Sei não… Aumentam os impostos…
- O senhor pode aumentar o aluguel.
- Feito.
Os donos do seu nariz têm o poder e não há nada que você possa fazer a respeito. O seu nariz pode ter sido vendido a uma multinacional agora mesmo e você nem sabe.
http://blogmais.org/2008/12/02/cultura-contos-poemas-poesias-donos-do-seu-nariz-luis-fernando-verissimo/ acesso em 23 de agosto
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