A internacionalização dos clubes e o drama brasileiro
Erich Beting
Ontem, no Canadá, o time do Manchester City anunciou um acordo com a EA Sports para a criação da primeira plataforma de games de um clube. O negócio envolve o desenvolvimento de jogos com os atletas do City, que poderão ser consumidos pelos torcedores em todo o mundo. O anúncio foi feito durante a pré-temporada que o clube inglês realiza em solo canadense, quando a EA Sports aproveitou a presença dos atletas do time para montar os bonecos que serão usados nos jogos virtuais. A situação vivida pelo City mostra exatamente o quão distante os clubes brasileiros estão de um projeto de internacionalização.
As recentes matérias publicadas pelos jornais estrangeiros sobre o Corinthians (a enquete do Guardian sobre o clube ou a CNN considerando o Timão um clube pequeno) revelam o drama que os clubes brasileiros encontram hoje para serem marcas internacionais. Quase ninguém conhece o futebol que é praticado no Brasil, mesmo com toda a fama da seleção brasileira mundialmente. Os problemas que levam a esse cenário são vários. Vai da incompatibilidade de datas para o time brasileiro excursionar no exterior, passa pela falta de divulgação dos campeonatos da América do Sul nos outros mercados e, claro, envolve também a falta de um projeto claro de fortalecimento de marca dos clubes.
Há cerca de 20 anos o Manchester United começou um projeto para fazer com que sua marca se tornasse mundialmente conhecida. Jogar a Liga dos Campeões da Europa, apostar na internacionalização da Premier League e passar a levar o time para fazer pré-temporadas no exterior foram as principais medidas adotadas. Junto a isso, o clube adotou um projeto para venda de produtos em toda a Europa. O que mais motivou o Manchester a fazer isso? Dinheiro. Na Inglaterra, os Diabos Vermelhos estavam muito longe de serem os donos de maior torcida e, mais do que isso, de maior arrecadação com patrocínios e venda de produtos. Nem mesmo em Manchester eles eram dominantes. Com a estratégia de ampliação global de sua marca, impulsionada anos depois com o surgimento de David Beckham, os Diabos ganharam o mundo e o topo do ranking de faturamento entre todos os clubes de futebol do mundo.
O modelo do Manchester passou, então, a ser copiado pela maior parte dos grandes clubes que atualmente são famosos no futebol mundial. Barcelona, Real Madrid e Milan foram os mais eficientes nessa estratégia. Depois vieram, com certo atraso, os times ingleses que estavam derrubados financeiramente, sendo Chelsea e Arsenal os dois melhores exemplos desse processo de expansão de marcas, e clubes de outros países, como Internazionale e Bayern de Munique.
Como marcas globais, esses clubes passaram a realizar os mais diferentes tipos de acordos. Geralmente, seus patrocinadores são empresas de alcance global, que pagam dezenas de milhões de euros para estamparem suas marcas na camisa dos times. Outras companhias unem-se a esses clubes para explorar novos mercados, como fizeram recentemente Concha y Toro e Manchester, numa estratégia de ampliação da marca dos Diabos Vermelhos na América do Sul.
Durante esse processo, esses clubes agiram como empresas em busca de novos mercados. Estudaram a força de suas marcas, montaram um plano de expansão para o exterior e passaram a levar seus produtos até esses países. Foi assim que o continente asiático gerou fortunas para Manchester, Real Madrid e Barcelona, principalmente. Com a estagnação da Ásia (os clubes já se estabeleceram por lá, não há muito mais o que ser feito), a estratégia mudou um pouco. Até por interesse dos patrocinadores, o foco passou a ser a América do Norte e a África, dependendo do clube e da empresa que o patrocina. Agora, o foco passa a ser a América do Sul e, especialmente, o Brasil.
Enquanto isso, os clubes brasileiros não conseguiram descobrir qual o seu real mercado consumidor dentro do próprio país. Pesquisas sobre tamanho de torcida podem ajudar a dar uma base para os clubes trabalharem, mas não são eficientes para conhecer quem é, de fato, um consumidor de produtos de um clube. Depois dessa etapa ser cumprida é que poderemos, de fato, começar um projeto de expansão da marca dos clubes para o exterior. Só que a primeira coisa que precisa mudar é a mentalidade do clube. A ida para o exterior não pode significar status, mas sim estratégia comercial. O torcedor pode querer tirar sarro do rival por ele disputar um torneio no exterior e o outro não, mas dentro do clube a mentalidade tem de ser completamente diferente.
Do contrário, continuaremos a confundir internacionalização com jogar uma partida fora do Brasil. Enquanto o Campeonato Brasileiro de futebol for totalmente desconhecido do estrangeiro, de nada vai adiantar, durante uma ou duas semanas, um time do país atuar noutro lugar. Será mais ou menos como um Al Nasr ter disputado o Mundial de Clubes da Fifa em 2000 aqui no Brasil. Um completo estranho que esteve aqui como figurante de uma competição.
Para ser uma marca global os clubes precisam ter projetos globais. Mas, antes disso, precisam conhecer qual o seu mercado interno. Ainda levará um certo tempo para todos terem a consciência disso.
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